quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A morte da irmã superiora

A morte era algo distante, como quase tudo o que acontecia no mundo real fora do colégio. Mesmo assim chegavam até nós as notícias mais trágicas envolvendo pessoas famosas, como o suicídio de Vargas em 1954 e a morte de Carmen Miranda, no ano seguinte. Foram casos que comoveram todo o Brasil e as freiras os comentavam entre si ou com as professoras.

Ali dentro a preocupação era apenas com o destino das nossas almas. Tínhamos que fazer o que a religião nos ensinava para merecermos sempre o reino dos céus. Mas era uma preocupação para dali a muitos anos. Criança não podia morrer, pelo menos não devia. Natural, isso sim, era que uma pessoa idosa ficasse doente e depois morresse.

E foi assim que, um dia, a morte veio bater à porta do colégio. Foi em 1957. Veio buscar a Irmã Alegria, nossa diretora. Ela era mesmo a pessoa mais velha do internato.

Ficamos sabendo que ela estava doente ainda no primeiro semestre daquele ano porque durante vários dias ela não saía do seu quarto. Seria uma indisposição segundo as outras irmãs. Depois veio o médico e receitou-lhe alguns medicamentos. O quadro deve ter piorado porque a levaram para um hospital no Matoso, que pertencia à congregação das vicentinas. Nós não sabíamos exatamente de que mal ela sofria. Mas desconfiávamos que era alguma coisa grave. Na hora das orações rezávamos sempre pelo seu restabelecimento.

Em julho ou agosto ela voltou ao internato. Estava muito mais magra e pálida. Sua aparência era extremamente frágil e parecia até que era o pesado hábito que a mantinha de pé. Sua voz era um fiapo e já não conseguia reproduzir a autoridade da madre superiora e da severa professora do 3º ano.

Viera apenas para se despedir. Depois de algumas semanas voltou para o hospital. Faleceu no dia 6 de setembro. Tinha 75 anos de idade.





O santinho que marcou o falecimento da Irmã Alegria.


Depois da morte da irmã Alegria é que ficamos sabendo que ela tinha câncer, então considerada uma doença muito grave e fatal. Alguns meninos diziam conhecer casos na suas famílias. Contavam que era uma coisa terrível, um tumor que devorava as pessoas por dentro, até a morte. Que geralmente dava em pessoas mais velhas, mas em crianças também. Diziam ainda que era contagioso e algumas outras bobagens. Aquelas conversas  arrepiavam e enchiam a todos de preocupação.

Depois desse episódio nunca mais se ouviu falar em morte no colégio. Irmã Vicência e irmã Luiza, deixaram o internato nos anos 70, com muita saúde, e tiveram as duas vidas longas. A irmã Vicência passou dos cem anos, e a irmã Luiza, chegou perto dessa marca.

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