quarta-feira, 2 de junho de 2010

Férias

O período de férias significava o retorno à vida livre, aos pés descalços e às corridas ladeira abaixo na “Escadinha”. De ir todos os dias à casa do tio Antonio, para buscar o pão e o leite. Ou pedir uma porção de cubos de gelo para refrescar o suco de tamarindo que havíamos catado na Julio Furtado. De ir assistir com os primos o Teatrinho Trol e depois o futebol na tevê da tia Isabel. E, na volta, passar de visita na casa da vovó Olívia para ganhar uma refrescante “Grapette”. De cortar o cabelo à “Príncipe Danilo” na barbearia do seu Artur e esquecer o corte “franjinha” que nos faziam no colégio. De ouvir, à noite, no rádio, as histórias de “Jerônimo, o Herói do Sertão” e as piadas do “Balança-mas-não-cai”. De soltar pipa e de ir com o Afonso pelos terrenos baldios colocar armadilhas e arames com visgo para pegar biquinho-de-lacre. De disputar o campeonato carioca e até a copa do mundo jogando botão com meu irmão e meus primos. De jogar bola com os vizinhos da rua. De brincar de amarelinha e de pique com as meninas.

Logo vinha o Natal. Sempre arranjávamos uma árvore pequena porque dos enfeites que tínhamos trazido de Portugal poucos haviam se salvado. Completávamos a ornamentação com jilós embrulhados em papel prateado. Tínhamos também um pequeno presépio de papelão para colocar no pé da árvore. Estava pronto o cenário para esperar o Papai Noel. No dia 24 minha mãe nos fazia colocar os sapatos na janela, ainda seguindo a tradição portuguesa, e de manhã lá encontrávamos qualquer coisa que ela havia conseguido comprar. Depois íamos fazer a visita ao tio Antonio levando as rabanadas que minha mãe era especialista em fazer. Lá, então, sempre ganhávamos brinquedos de verdade.

Depois do Natal vinha a temporada das visitas. Ir à casa do tio Damião em Marechal Hermes era um dos programas que minha mãe fazia questão de fazer nas férias, quando podíamos ir todos juntos. Ele era um dos muitos irmãos do pai dela e tinha vindo há muitos anos para o Brasil. Arranjou casamento e por cá se deixou ficar. Mais tarde adotaram um menino, o Paulinho. Moravam numa casinha simples cedida pelo patrão e tentavam reproduzir, no subúrbio do Rio, o estilo de vida da sua aldeia em Portugal. Naquele tempo ainda era possível. Tinha um par de vacas que lhe ajudavam a preparar um pequeno espaço de terra onde plantava alguma coisa e, principalmente, para puxar uma carroça com que fazia transportes de materiais para as obras que iam aos poucos se multiplicando nas vizinhanças. Eu gostava de lá ir, mais que tudo, para ver e colocar as mãos nos animais e relembrar os passeios em carro de bois quando ia visitar os parentes no interior de Portugal.

Um outro fim de semana era para ver a Cléa, prima da minha mãe. Ás vezes íamos na casa deles, no Campo dos Afonsos, mas gostávamos mesmo era de ir até a Praça Saens Peña, na Tijuca onde o marido dela trabalhava com um carrinho de pipocas. Era um ponto muito bom porque ali havia quatro ou cinco cinemas e o movimento era grande.

Por fim, chegava o carnaval. Embora minha mãe não fosse simpatizante de Momo fazia questão de dar uma espiadela no que acontecia pela cidade. No domingo de carnaval íamos todos dar uma volta de bonde até o centro, apreciando os pequenos blocos que se improvisavam aqui e ali ao longo dos bairros por onde íamos passando. No centro sempre havia mais agitação, blocos maiores, bandinhas “fuzarcas” repetindo as marchinhas famosas da época, mas tudo ainda relativamente calmo. Quase sempre São Pedro mandava um banho de água fria para refrescar o chão escaldante e as cabeças mais entusiasmadas pelos efeitos dos lança-perfumes, que naquela altura ainda eram utilizados sem restrições por foliões de qualquer idade.
O fim do carnaval prenunciava o retorno ao colégio.