terça-feira, 6 de abril de 2010

Leituras

Nossa biblioteca consistia de uma pequena pilha de revistas na sala de recreação. Nos dias de visitas alguém sempre trazia um novo exemplar. Raramente era novo mesmo, mas o que importava é que fosse diferente dos que já tínhamos. Vez por a Candelária enviava um pacote com novas revistas para recompor o estoque. Geralmente eram da coleção “Série Sagrada” e “Edições Maravilhosas”. Ambas eram em quadrinhos, muito bem desenhados. A primeira reproduzia as histórias dos santos e episódios religiosos. A segunda aproveitava como tema alguns dos mais famosos contos de escritores brasileiros. Eu gostava daquelas histórias e me prendia principalmente nos detalhes dos desenhos, até porque eram realmente muito bem feitos. Também tinhamos « Príncipe Valente » e a tradicional “Tico-Tico” onde estrelavam os engraçados personagens Reco-Reco, Bolão e Azeitona, criados por Luis Sá. Eram também muito disputadas as do “Pato Donald”, de Walt Disney.


Quase todas essas revistas eram produzidas ali mesmo em São Cristóvão, bem pertinho, pela Editora Brasil América. O « Pato Donald » saía pela Editora Abril, instalada no início dos anos 50.

Ganhei meus primeiros livros no internato das mãos da professora Maria Luíza, quando estava na quarta série. Ela os dava como estímulo ao estudo. Valiam ouro pelo que então significavam : davam asas ao pensamento. Eram livros sobre a história e sobre a geografia do Brasil.

Um dos autores preferidos da professora era o hoje desconhecido Francisco Marins. Ganhei “Território de Bravos”, a história da conquista do Acre pelos brasileiros comandados por Plácido de Castro que avançaram mata adentro na Amazônia para extração do látex da seringueira; aventura que resultou na incorporação do Acre ao Brasil. Do mesmo autor ganhei também “Expedição aos Martírios” que narra a história de um grupo de aventureiros que parte pelo interior do país em busca das minas perdidas.

Marins era então um jovem escritor, com pouco mais de trinta anos, e viria a produzir muitos outros textos, muitos dos quais se tornariam clássicos da literatura juvenil brasileira. “Os Segredos do Taquara-Póca”, “O Coleira Preta”, “Nas Terras do Rei Café”, dentre outros, fariam parte, décadas mais tarde, da biblioteca dos meus filhos.

Outro autor que li através dos livros da professora Maria Luiza foi Viriato Corrêa: “Meu Torrão”, “A Bandeira das Esmeraldas” e “História do Brasil para Crianças”, eram as melhores obras sobre história do Brasil para a garotada.


Além destes eu me encantava com as histórias de um outro autor, do qual também hoje pouco se fala. Era Ariosto Espinheira, autor de uma série chamada “Viagens Através do Brasil”. Ganhei o volume que falava do Rio São Francisco, das regiões que atravessava e das populações que viviam nas suas margens. Quantas vezes dormi sonhando com imaginárias viagens ao longo daquele tão decantado rio. Quando finalmente conheci o “velho Chico”, uns trinta anos depois, ele já não era mais o mesmo das narrativas que eu havia lido. Tinha sido vítima do progresso e do descuido.

Esses autores e seus livros foram, juntamente com Monteiro Lobato, os responsáveis por boa parte dos conceitos de cidadania que aprendíamos na escola. De leitura agradável e atraente, aumentavam nossa curiosidade pela nossa história, cultura, geografia e economia. Menos conhecidos, mas não menos importantes, os ilustradores desses livros agregavam um valor enorme ao texto escrito. Meus olhos ficavam atraídos por muito tempo numa mesma gravura tentando encontrar detalhes e outras histórias que o autor esquecera de contar...  

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