terça-feira, 20 de abril de 2010

Na hora do recreio




Eram os recreios mais silenciosos de que eu participei. Havia, sim, em algum momento, barulho e gritos, mas não dava a impressão de que ali estivessem quase trinta crianças. Com exceção do futebol e de alguma outra brincadeira mais agitada, a maior parte dos nossos jogos era bastante silenciosa. Formávamos pequenos grupos e cada um deles se envolvia em uma atividade diferente. Além disso as freiras estavam sempre por perto, vigilantes, para impedir excessos.

O grupo maior era o do futebol, nosso passatempo preferido. Até mesmo a Irmã Luiza vez por outra participava. O problema é que as bolas eram de borracha e quicavam muito. Eram também pouco resistentes aos chutes daqueles pés inábeis e não agüentavam duas partidas seguidas. Às vezes tínhamos de improvisar com bolas de papel, mas já ficava sem graça porque não quicavam. Sem bola, o jeito era apelar para o “pique”, “pega-bandeira”, “lenço-atrás” e outros jogos da época.

Os grupos dos mais tranqüilos se dividiam entre as bolas de gude, o jogo das “pedrinhas” ou “cinco-marias”, do ferrinho e outros. Eram brinquedos simples, que nós mesmos podíamos fazer. Muito comuns também eram as pipas “ratinho”, com papel de embrulho ou de jornal, mais raramente uma folha de caderno, armada com varetas de piaçava, tudo colado com restos de arroz cozido. Alguns tinham álbuns de figurinhas. As mais difíceis entravam no mercado de trocas e as mais comuns iam para o jogo do “bafo-bafo”.

A certa altura ganhamos um conjunto de balanço e gangorras. Foi instalado no pátio externo. No começo geravam muita disputa porque todo mundo queria brincar neles.

Pátio de recreio
A foto pertence ao acervo da Candelária; é provavelmente dos anos 70,
já com o piso concretado e com o balanço recolocado ao fundo.
A hora do recreio era a hora também de colocar as conversas em dia, de comentar as provas, uma notícia de casa, o último filme do seu Sampaio, ou simplesmente contar casos e verbalizar nossos sonhos e fantasias de crianças. Havia naquele grupo um menino que tinha especial talento para contar histórias. Era o « Bolacha », um garoto gorducho e de grandes bochechas, um ano mais novo do que eu. Quando estava inspirado era capaz de manter a atenção de muitos de nós ouvindo os seus casos mirabolantes.

Nos finais de semana passávamos muitas horas também na sala de recreação. Era a ocasião para exercitarmos a leitura ou a habilidade com os joguinhos de mesa, os tradicionais dominós, pega-varetas, ludos e damas. Havia, também, uns brinquedos de armar, feitos em plástico, precursores dos atuais “lego”. Um deles era o “lig-lig”, bastante maleável, que dava para fazer muitas coisas, inclusive bolas. O outro era feito de pinos redondos, coloridos, com encaixes. Havia ainda o tradicional “Pequeno Engenheiro”, para montar casas torres e castelos, mas o mais interessante era um jogo de armar, com pequenas peças de metal furadinhas, ligadas por meio de parafusos e porcas. Chamava-se Maq-Bras, ou algo parecido, e era uma espécie de “lig-lig” de luxo. Eu olhava de longe, maravilhado com as coisas que podiam ser feitas com todas aquelas peças: torres, guindastes, caminhões, quase tudo... Não sei que fim levou. Quando fiquei maior o brinquedo não existia mais.

As freiras participavam também. Elas gostavam muito de jogar damas. Tinham um tabuleiro grande, com peças de madeira, e jogavam entre si. É um jogo bem simples e logo aprendi as regras. Fui aos poucos ganhando gosto e traquejo pela coisa e depois de algum tempo não tinha menino que me vencesse. Ia ver o jogo das freiras. Um dia me convidaram para jogar com elas. Ganhei da irmã Luiza e já todo empolgado fui enfrentar a irmã Vicência. Perdi desastradamente. Mas pouco a pouco aprendi os truques delas e a disputa passou a ser mais parelha.


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