terça-feira, 18 de maio de 2010

Em tempo de eleições: o cearense Juarez e o mineiro JK



No ano de 54 o presidente Getulio Vargas havia cometido suicídio. Nunca me esqueci daquela data porque era também o do aniversário de minha mãe: 24 de agosto.

Mesmo sem ter idade para entender a importância daquele episódio e apesar do isolamento do internato, dava para sentir que o ambiente não estava nada tranqüilo. Víamos as expressões preocupadas dos adultos à nossa volta e ouvíamos os comentários que as freiras faziam entre si. Muito barulho havia ocorrido nos meses que antecederam o fim do governo Vargas, ao compasso das acusações que Lacerda fazia na imprensa. Estávamos na capital do país. A sede do governo e o centro daquela agitação política não ficavam a mais de uma dezena de quilômetros de onde eu estava.

A política voltou a esquentar no ano seguinte por conta do processo eleitoral que escolheria o sucessor de Vargas. Um dos concorrentes era o Juarez Távora, um militar cearense que havia sido um dos tenentes de 1922, do episódio da revolta do Forte de Copacabana. E foi por causa desse ilustre cearense que nós passamos a ouvir falar um pouco mais de política ali dentro. É que Távora tinha na Irmã Vicência, sua conterrânea, uma defensora fiel e propagandista dedicada. Elogiava principalmente a retidão de princípios e qualidade moral que ela achava serem predicados próprios dos militares.

A opção por um militar tinha as suas razões naquela altura. A Grande Guerra era ainda um episódio recente e dera aos homens de farda ampla presença política e prestígio em todo o mundo, pelo menos do lado dos vencedores. No Brasil, pouco antes da candidatura de Juarez, Gaspar Dutra, outro general, havia sido eleito presidente pelo voto popular. Anos mais tarde, na eleição para escolher o sucessor de JK, o general Lott também decidiu enfrentar o desafio das urnas, perdendo para Jânio.

Juarez, ainda segundo a Irmã Vicência, era o homem certo, por ser cearense, para por fim ao sofrimento do povo nordestino com o flagelo das secas.

Apesar da sua torcida e das suas muitas orações Juarez acabou perdendo, embora por pequena margem, para o mineiro Juscelino, conterrâneo da Irmã Luiza, que evitou comemorar para não alimentar polêmicas.

Pouco antes da posse de JK nova confusão, envolvendo Café Filho, vice de Getúlio, Carlos Luz, que era o presidente do Senado e seu vice, Nereu Ramos, além de Lacerda e os militares pelo meio da história. Apesar de todo o falatório sobre o assunto eu não fazia a menor idéia do que se estava passando. Só via que os adultos estavam preocupados com a instabilidade “provocada pelos políticos” e que almejavam novamente um “ato patriótico” dos militares para recolocar o país nos eixos.

A idéia que então eu fazia da política é de que se tratava apenas um jogo entre políticos, supervisionado pelos militares.

Às vezes eu ouvia algum adulto falar contra o comunismo sem atinar com o significado daquilo. Sabia que era coisa dos russos e que todo o comunista era ateu. Aprendera, portanto, que todos os católicos deveriam ser contra o comunismo. Seria mais uma questão religiosa. Mas no internato não se falava muito do assunto. A certa altura o assunto começou a chover literalmente no nosso pátio de recreio. É que alguns teco-tecos começaram a fazer freqüentes sobrevôos sobre o bairro lançando panfletos com desenhos e mensagens anticomunistas. As freiras não impediam que pegássemos aqueles papéis, nem faziam comentários sobre as suas mensagens. Logo se transformavam em matéria-prima para aviõezinhos. Lembro, entretanto, que os desenhos procuravam passar a imagem de que os comunistas eram pessoas brutas e que queriam impor alguma coisa à força de ameaças e prisões. A figura predominante dos desenhos era uma caricatura de Nikita Krushev, que havia sucedido a Stalin após a morte deste em 1953. Não consegui descobrir o que teria motivado aquela propaganda. Talvez, olhando para os registros da história da época, tenha se relacionado com algum movimento político interno contrário à legalização do partido comunista que JK havia negociado em campanha para conquistar mais apoios à sua candidatura.



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