terça-feira, 23 de março de 2010

Dia de visitas



As visitas ocorriam no primeiro domingo de cada mês, sempre das 2 às 4 horas da tarde. Depois do almoço íamos para o pátio até pouco antes das duas horas quando subíamos para a sala de recreação. Naqueles dias, porém, as brincadeiras não tinham qualquer graça ou interesse. Serviam apenas para disfarçar a nossa ansiedade por ver alguém da família e ter noticias de casa.

O toque da campainha da rua punha em funcionamento nossos cronômetros mentais. Ficávamos contando os segundos com os olhos fixos no trinco da porta da sala. Quando ele se abria a contagem parava para ver qual dos meninos a freira vinha chamar.

Entre uma chamada e outra se passavam intermináveis minutos. Quantas dúvidas, quanta insegurança, quanta ansiedade era possível passar pelas nossas cabeças naqueles curtos momentos... Será que não puderam vir? Se chegarem atrasados não vou ter tempo de contar quase nada e de ficar sabendo das novidades de fora! Ou será que já chegaram e a freira não veio chamar? E o que estarão dizendo as freiras de mim para eles?

Vez por outra, por castigo, algum menino ficava sem o direito de receber visita. Era raro, mas por isso mesmo não menos temido. O coitado chorava e a mãe também. Por fim as freiras quase sempre cediam e acabavam permitindo o encontro, ainda que depois de repetir as broncas e de fazer grandes reprimendas ao faltoso.

Pior era quando algum menino não recebia visita de ninguém. Às vezes avisavam por telefone, informando de algum problema de última hora. Outras sequer davam notícia. Todos tinham pena daqueles “abandonados”.

Só permitiam a visita de, no máximo, duas pessoas para cada aluno. Se por acaso vinha alguém a mais tinha que esperar no portão até que algum dos visitantes saísse. Nos aniversários, porém, fazia-se exceção e deixavam que as famílias trouxessem um bolo e cantassem baixinho o “parabéns a você”.

Irmã Alegria e Irmã Vicência ficavam o tempo todo na sala e participavam das conversas com as mães das crianças. Assim não davam espaço para as reclamações. Também ficavam atentas aos modos e comportamentos dos visitantes. Vez por outra chegavam mesmo a criticar as mães que se apresentassem usando pintura ou uma roupa mais colorida, ou por algum outro motivo. Talvez julgassem que ninguém poderia estar ali sem demonstrar outro sentimento que não o de tristeza.

A verdade é que não havia muito que contar. Nossa vida era extremamente rotineira e a disciplina não dava espaço para grandes novidades. Além disso, nossas mães tampouco podiam contar muita coisa das suas vidas que nos pudessem interessar. Depois de referir alguma coisa sobre o que faziam meus irmãos e sobre o restante da família os silêncios aumentavam. Apesar disso os minutos andavam depressa. Quando se anunciava o fim do horário de visita lá vinha o nó na garganta que os mais novos logo desatavam em lágrimas e os mais velho disfarçavam dizendo alguma coisa sem nexo.

Voltávamos para a sala de recreação e no caminho os embrulhos que cada um recebera eram entregues a uma das freiras, que anotava neles o nome de cada um. Sabonetes eram para uso pessoal e iam para o nosso escaninho do banheiro; as pastas de dentes iam para o fundo de uso comum. O que fosse de comer, geralmente frutas, nos seria devolvido comedidamente ao longo dos dias seguintes. Sempre que era possível eu guardava o meu papel de embrulho porque conservava o “cheirinho” de casa.


Um comentário:

  1. Oi, Amilcar.
    Desejo que esteja tudo bem com você.
    Aqui estou novamente para ratificar os seus relatos tão bem traduzidos, embora passados no colégio feminino, há muitos anos. Naquela ocasião, nós, as meninas, também ficávamos de castigo, sem visita, dependendo da gravidade era sem ver a mãe (ou familiar) e sem o "embrulho" (guloseimas que os familiares traziam). A critério dos familiares, quando a menina não tinha o direito de receber o seu "embrulho", a visita, em sua maioria, a mãe, deixava na recepção com a freira. Ao final da visita, juntavam todos os embrulhos e distribuíam entre todas as meninas, dia após dia, até terminar todas as guloseimas que foram usurpadas de suas verdadeiras donas. Era muito triste, ver as coleguinhas mostrando uma para outra as novidades e as que estavam de castigo, ficavam só olhando, neste caso eu era uma delas...rsrsrsrs, que ficava olhando o doce dos outros!
    Mas essa história tem um final feliz, pois minha mãe, dava sempre um jeitinho de ir me ver no decorrer da semana e levava um novo embrulho...rsrsrrsrs, Eu não merecia ficar de castigo, pois era muito estudiosa, embora muito bagunceira e brincalhona. Eu não ganhava o distintivo por causa da nota baixa no comportamento, mas arrebentava no estudo...daí tinham que me engolir...rsrsrsr
    Você lembrou bem, as nossas visitas eram vigiadas, pois as irmãs estavam sempre rondando...sentindo o Clima Organizacional.
    Ah! E no dia da visita, também ficávamos numa sala de recreação, com jogos, não podíamos ir para o pátio onde ficavam as meninas com suas respectivas visitas. Quando a ansiedade aumentava, e o nosso nome demorava a ser chamado para receber a visita, olhávamos para o céu e ao avistar os urubus voando, fixávamos o olhar em uma das aves e perguntávamos gritando: URUBU MINHA MÃE VAI VIR? Se ele batesse as asas de imediato, estava garantida a visita...pois o urubu já tinha avistado que a mãe tava chegando...mas se ele não batesse as asas de imediato era uma infinita tristeza. Não sei da onde inventaram essa idéia! rsrsrrsrs
    Obrigada por me fazer lembrar as minhas lembranças.
    Um grande abraço da Alecxandra Consuelo.

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